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Pontos de estudo de Teorias Psicanalíticas I

  • Foto do escritor: aluska-pensa
    aluska-pensa
  • 3 de fev. de 2019
  • 7 min de leitura

Atualizado: 15 de out. de 2019


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A PRÉ-HISTÓRIA DA PSICANÁLISE I

  • A CONSCIÊNCIA DA LOUCURA - Descartes faz da dúvida de Montaigne, referente a garantia do verdadeiro ou falso, não o ponto final, mas o ponto de partida de seu pensamento. Ao desvario e às incertezas da consciência no século XVI, seguiu-se a ordem da racionalidade da consciência no século XVII. Colocando frente a frente a identidade e a diferença. No século XVII divisão da razão e desrazão (sem razão), o momento que a razão produziu a loucura. O fundamental a se destacar no estudo de Foucault é o fato de que, para ele a loucura só veio aparecer sob o olhar aguda da racionalidade do século XVIII. Literalmente, a loucura não existia, o que existia era a diferença e o lugar da diferença. Com a visão cartesiana foi decidido que não havia lugar para dúvidas, teria que escolher um lado ou outro, no ponto de vista cartesiano a loucura não atingia o pensamento, mas apenas o homem. Foucault diz que a loucura é uma produção do século XVIII, porque a partir das denúncias da loucura que surge a consciência de seus modos de aparição.

  • O SABER PSIQUIÁTRICO - O saber, nesse caso, não funcionava no sentido de procurar alguma razão na loucura ou de determinar as formas diferenciais, segundo as quais ela se manifestava, mas no sentido de apontar, de forma absoluta, se o indivíduo era ou não louco. O diagnóstico psiquiátrico, como salienta Foucault, não era diferencial, mas absoluto. O louco não era curado era aprisionado e domado. Esse é também o momento em que o poder psiquiátrico se sobrepõe ao saber psiquiátrico.

  • O INTERROGATÓRIO E A CONFISSÃO - Seu objetivo é a busca de antecedentes e a obtenção de uma confissão. O objetivo final do interrogatório era a obtenção de uma confissão, isto é, o reconhecimento, por parte do paciente, de sua própria loucura. A confissão, uma vez obtida, tinha um duplo valor: era indicativa da submissão do paciente à vontade do médico e, além disso, possuía uma função catártica. Através dela o doente se livrava do mal.

  • A LOUCURA EXPERIMENTAL - A possibilidade de compreensão da loucura é propiciada por Moreau de Tours com seus experimentos, sobre o haxixe em si mesmo, fica criado um espaço comum ao normal e ao patológico, espaço esse, produzido pela ingestão experimental da droga. Essa é a razão pela qual Foucault se refere a Moreau de Tours, como sendo o Claude Bernard da psiquiatria. Mas Moreau de Tours, via mais longe ainda. Esse fundo homogêneo ao normal e ao patológico, nem sequer precisa ser produzido artificialmente. Encontramos em nós mesmos cada vez que sonhamos. O sonho reproduz as mesmas características da loucura. O sonho é a loucura do indivíduo adormecido, enquanto os loucos são sonhadores acordados. Dessa forma, o sonho é o acontecimento que, mais do que qualquer outro, aproxima-se da loucura e permite sua compreensão. Está quebrada a heterogeneidade entre o normal e o patológico. O que Freud fez foi tomar esse fato como um princípio de análise.

  • A HIPNOSE - A hipnose foi precedida historicamente pelo mesmerismo. Anton Mesmer, doutor em medicina pela Universidade de Viena, a experimentar clinicamente a eficácia do magnetismo, basta o contato de sua mão para que o efeito terapêutico seja alcançado. Devido ao êxito com a técnica Mesmer, inventa uma forma de magnetização em grupo. Esta consistia em colocar várias pessoas dentro de uma tina com água, e magnetizá-las em conjunto, pois, segundo ele, o fluido magnético espalhava-se pela tina e atingia todos os que nela se encontravam mergulhados. A popularidade de fluidismo chegou a tal ponto que o governo, juntamente com a comunidade científica da época, decretou a condenação de Mesmer por charlatanismo. A conclusão da comissão foi que não existia nenhuma fluido magnético e que a cura se dava por efeito da imaginação. Ora, é exatamente esse efeito da sugestão o que vai se constituir no princípio da técnica hipnótica empregada inicialmente por Freud. O mesmerismo é abandonado e, a partir da metade do século XIX, impõe-se uma nova técnica inventada por James Braid: a hipnose, conhecida durante muito tempo como “braidismo”. O importante da técnica hipnótica é o efeito obtido que depende apenas do estado físico e psíquico do paciente que, uma vez obtido o efeito hipnótico, o médico passa a ter inteiramente domínio sobre o corpo do paciente que permite tanto a eliminação de sintomas como a domesticação do comportamento. O psiquiatra passa a dispor de um controle sobre a mente e sobre o corpo do doente. É essa domesticação que, reforçada pela neurologia, vai se transformar no grande empreendimento de Charcot.

  • CHARCOT E A HISTERIA - A existência ou não de lesão anatômica relativa a determinados sintomas era, para a psiquiatria do século XIX, um fator de extrema importância. A anatomia patológica começava a ser vista, nessa época, como o único meio de inclusão da medicina no campo das ciências exatas, sendo esperado do médico que suas investigações clínicas fossem acompanhadas por investigações anatomopatológicas que oferecessem, ao nível do corpo, a lesão referente aos distúrbios observados.

  • Formam-se, então, dois grandes grupos de doenças: aquelas com uma sintomatologia regular e que remetiam a lesões orgânicas identificáveis pela anatomia patológica, e aquelas outras — as neuroses — que eram perturbações sem lesão e nas quais a sintomatologia não apresentava a regularidade desejada. Essa crença na eficácia da anatomia patológica foi compartilhada por Charcot, que, além de neurologista, se tornou professor de anatomia e patologia da Faculdade de Medicina de Paris. A abordagem inicial de Charcot ao problema da histeria foi feita de acordo com esse ponto de vista, isto é, de que há um correlato orgânico das manifestações histéricas.

  • Posteriormente, ele modifica seu ponto de vista ao afirmar que a histeria é, “como tantas outras esfinges”, uma doença que escapa às mais penetrantes investigações anatômicas (citado por Levin, 1980, p. 48). No entanto, apesar da ausência de um referencial anatômico, a histeria apresentava aos seus olhos uma sintomatologia bem definida, obedecendo a regras precisas. Esse reparo é importante, porque lhe permite afastar a hipótese de simulação, o grande fantasma da psiquiatria do século XIX. Ao produzir a separação da histeria com respeito à anatomia patológica, Charcot a introduz no campo das perturbações fisiológicas do sistema nervoso, e em função disso procura novas formas de intervenção clínica, dentre as quais a hipnose vai se constituir na mais importante. Durante algum tempo, Charcot realizou estudos no sentido de mostrar que a hipnose envolvia mudanças fisiológicas no sistema nervoso, o que a aproximava da histeria.

  • No inverno de 1885, Freud vai a Paris e assiste ao curso de Charcot, cujas aulas práticas eram ministradas na Salpêtrière, e adere entusiasticamente ao modelo fisiológico oferecido por ele para a histeria. Os aspectos mais salientados, tanto por Charcot como por Freud, nesse período, eram os que diziam respeito ao fato de que a histeria não era uma simulação, que ela era uma doença funcional, com um conjunto de sintomas bem definido e na qual a simulação desempenhava um papel desprezível. Outro ponto enfatizado por ambos foi que a histeria era tanto uma doença feminina como masculina, desfazendo dessa forma a ideia de que apenas as mulheres padeciam de manifestações histéricas (como sugeria o próprio termo “histeria”, que deriva da palavra grega hystéra, que significa “útero”).

  • Mas, entre essas afirmações e a realidade da prática hospitalar, havia uma distância considerável. Na verdade, Charcot foi o santo milagroso da histeria, sendo que em suas encenações realizadas na Salpêtrière, as inalações de nitrato de amilo ministradas por seus assistentes às pacientes desempenhavam um papel tão importante quanto o ritual do hipnotismo. O problema continuava sendo apresentar uma sintomatologia regular para a histeria. Caso isso fosse obtido, a histeria seria incluída no campo das doenças neurológicas; caso a tentativa não fosse coroada de êxito, o histérico seria identificado ao louco. Persistia, portanto, a questão do diagnóstico diferencial versus diagnóstico absoluto.

  • O papel desempenhado por Charcot passa a ser o de produzir, através de drogas e da hipnose, a regularidade do quadro histérico, trazendo a histeria para o campo da neurologia e retirando-a das mãos do psiquiatra. O lugar do histérico, deveria ser o hospital e não o asilo. Mas é exatamente nesse ponto que o histérico passa a ser investido de um poder sobre o médico equivalente ao que este possuía sobre ele. Por efeito da imposição médica, os pacientes histéricos passam a fornecer os sintomas que lhes eram exigidos. A crise histérica passa a ser fabricada com grande eficácia nas apresentações clínicas de Charcot. Aconteceu, porém, o inesperado: os pacientes passaram a oferecer muito mais do que lhes era solicitado e, dessa forma, passaram a constituir o próprio médico.

  • Esclarecendo melhor: se os histéricos apresentavam um conjunto de sintomas bem definido e regular, eles constituíam o médico como neurologista; se esses sintomas variavam em número e qualidade, rompendo dessa maneira a regularidade das crises, o médico era transformado em psiquiatra (Foucault, 1973-74). O emprego da hipnose tinha por objetivo o controle da situação. Através da sugestão hipnótica, o médico podia obter um conjunto de sintomas histérico bem definido e regular; mas isso evidencia, ao mesmo tempo, que a histeria nada tinha a ver com o corpo neurológico, mas com o desejo do médico. É numa tentativa de superar esse impasse que Charcot vai elaborar a teoria do trauma.

  • Segundo Charcot, o sistema nervoso pode ser dotado de uma predisposição hereditária para, em decorrência de um trauma psíquico, produzir um estado hipnótico que torna a pessoa suscetível à sugestão (cf. Levin, 1980, p. 50). O trauma formaria uma injunção permanente, um estado hipnótico permanente, que poderia ser objetivado corporalmente por uma paralisia, uma cegueira ou qualquer outro tipo de sintoma. O estado hipnótico que o médico produzia na clínica seria uma injunção desse tipo, só que temporária. Nela, o papel da sugestão é idêntico ao desempenhado na situação traumática, com a diferença apenas de não ser permanente. Ora, na medida em que o trauma em questão não é de ordem física, ressurge a necessidade de o paciente narrar sua história pessoal para que o médico possa localizar o momento traumático responsável pela histeria.

  • O que Charcot não esperava era que dessas narrativas surgissem sistematicamente histórias, cujo componente sexual desempenhasse um papel preponderante. Estava selado o pacto entre a histeria e a sexualidade; pacto esse que foi recusado por Charcot e que se transformou em ponto de partida e núcleo central da investigação freudiana.

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